Leia o texto completo do documento protocolado pelo PSOL no MP exigindo um plano de gestão da crise da COVID-19 em Feira

EXMO(A) SR(A) DR(A) REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA

URGENTE. ASSUNTO: COVID-19

1. PSOL – PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE, CNPJ 08.154.169/0001-08, com domicílio na Rua Wesceslau Braz, s/n, bairro Queimadinha – Feira de Santana/BA, endereço eletrônico psol.fsa@gmail.com, fone (75) 99160-2861, vem com lastro na garantia fundamental ao direito de petição disposta no art.5º, XXXIV, “a” e por força do princípio da dignidade humana firmado no art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988, bem como com espeque no Art. 127, no Art. 129, II, novamente da CF/88, propor

REPRESENTAÇÃO

contra o MUNICÍPIO DE FEIRA DE SANTANA, pessoa jurídica de direito público interno, representado por sua Procuradoria Geral, situada na AV. Maria Quitéria, 841 – Brasília, Feira de Santana/BA, CEP:44088-078, endereço eletrônico pgm@pmfs.ba.gov.br, fone (75) 3623-8500/ 3623-7634, pelos fatos e fundamentos que expõe a seguir.

I – DA GRAVIDADE DA PANDEMIA EM FEIRA DE SANTANA

2. A pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2) chega ao mês de julho tendo o Brasil como epicentro da crise mundial. Os números são assustadores. Atingimos 2 milhões de casos e passamos de 80.00 mil mortes. Na Bahia, de acordo com o site oficial do governo, ultrapassaram-se 120 mil casos, atingindo-se mais de 2,4 mil mortes em decorrência da COVID-19. Feira de 3. Santana tem sido um dos municípios onde o número de casos tem maior crescimento, ultrapassando-se a marca de 5 mil infectados, e registrando-se mais de 100 óbitos.

3. Para fazermos um comparativo mensal de crescimento dos casos no município, registramos que em 22/04, um dia após a reabertura do comércio local, haviam 66 casos confirmados. Quinze dias depois já eram 106 casos. Embora tenha havido novo fechamento do comércio no dia 18/05, no final de maio somavam-se 563 casos – representando cerca de 855% de crescimento em relação ao primeiro número. No último mês houve um aumento de 524% dos casos no município.

4. A taxa de ocupação das UTIs exclusivas para COVID-19 atingiu 100% no último dia 03 de julho, tanto na rede pública como na privada, dado que revela de forma nítida um colapso no sistema de saúde do município. Mesmo com a inauguração de novos leitos (em 07 de julho), a taxa de ocupação mantém-se acima dos 80%.

5. Como se sabe, a única forma efetiva de controle da pandemia é o isolamento social. Nesse sentido, foram de grande valia as iniciativas conjuntas do Ministério Público Estadual e Defensoria Pública. As diversas recomendações e ações judiciais foram decisivas para a melhora da transparência nas informações e ampliação do isolamento social.

6. Entretanto, permanece baixíssimo o índice de isolamento social no estado e no município. Ambos não atingem nem 50% da população, sendo que a indicação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de 70% para que seja possível iniciar um processo de flexibilização. De acordo com o estudo “Mapa Brasileiro da Covid- 19”, divulgado em 11/07/2020, a Bahia apresenta o 5º pior índice de isolamento social do país (anexo 01). Isto foi reconhecido inclusive pelo governo estadual em sua página oficial da Secretária Estadual de Saúde (SESAB) (anexo 02).

7. Observando os dados oficiais publicizados sobre a Bahia e Feira de Santana, percebe-se que não há divulgação dos indicadores de gênero e cor/raça nos números de pessoas infectadas e de óbitos devido ao novo coronavírus. Este dado seria fundamental para uma análise detalhada dos impactos da pandemia e para a proposição de soluções de acordo com as necessidades gerais e específicas da população (anexo 03).

II – DA NECESSIDADE URGENTE DE UM PLANO DE GESTÃO DA CRISE DA COVID-19 NO MUNICÍPIO DE FEIRA DE SANTANA.

8. A crise gerada pela pandemia da COVID-19 tem sido conduzida pela gestão municipal de maneira arbitrária. Os sucessivos decretos de reabertura do comércio local não foram acompanhados de justicativas e evidências científicas sobre a pertinência dessas decisões, acerca da escolha das atividades a serem retomadas e nem sobre a opção pelo momento específico para tal. Pelo contrário, existem indícios significativos de que tais decretos obedeceram menos a evidências dessa natureza e critérios técnicos e mais ao lobby de setores econômicos – Especialmente do grande empresariado comercial (anexo 4).

9. Se confirmada a mais recente reabertura do comércio e suspensão das medidas mais restritivas ora em vigência, conforme noticiado neste 19/07 (anexo 5), fica evidenciado que a condução governamental do enfrentamento à pandemia de COVID-19 em âmbito feirense padece de caráter errático, excedendo em muito a discricionaridade inerente ao exercício do poder executivo e ferindo os princípios constitucionais da Administração Pública.

10. Dada a gravidade da referida situação em Feira de Santana, reivindicamos a urgente elaboração e apresentação à sociedade por parte do governo municipal de um plano de gestão contendo os seguintes aspectos: (i) definição de critérios transparentes para manutenção ou suspensão de atividades; (ii) definição de um método público para avaliação regular do cumprimento de tais critérios; (iii) classificação de atividades e áreas em função do diagnóstico do estágio da pandemia; e (iv) um cronograma com a projeção das etapas para gradativa superação da crise instaurada pela pandemia em vista. Tal plano serviria como instrumento público para orientar não só o conjunto da população, mas em especial os diferentes setores da sociedade civil e também os órgãos públicos acerca do enfrentamento ordenado da pandemia no quadro do próximo período, sem a mesma arbitrariedade que tem marcado a condução governamental da crise até aqui.

11. Nesse sentido, sem juízo de valor sobre a qualidade dessas iniciativas, estados e municípios têm adotado o planejamento como ferramenta de gestão para lidar com o enfrentamento da crise como um todo, o processo da chamada “reabertura” econômica ou mesmo aspectos específicos do impacto da COVID-19 – Como é o caso do elevado número de sepultamentos em pequeno intervalo de tempo. Em diversas ocasiões, o estímulo fundamental para tal se deveu à atuação decidida do Parquet.

12. Por exemplo, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro ajuizou uma Ação Civil Pública contra o município do Rio de Janeiro, pedindo um plano de “gestão de óbitos” em decorrência do novo coronavírus. O Ministério Público de Alagoas, por meio de Requerimento, cobrou aos municípios de São José da Tapera, Carneiros e Senador Rui Palmeira a apresentação de um “Plano de Contingência” para combate à pandemia de covid-19. No Pará, através de emissão de Recomendação, o Ministério Público Estadual solicitou a prefeitura de Bom Jesus do Tocantins a apresentação de um “Plano de Prevenção e Contingenciamento” referente à atuação municipal no combate ao novo coronavírus. O Ministério Público de Mato Grosso do Sul, por meio de Força-Tarefa específica dedicada ao assunto, cobrou a efetividade do “Plano de Contingência” contra a covid-19 no município de Dourados. Em reunião, a apresentação de um “plano de contingência para enfrentamento da disseminação do novo coronavírus entre a população em situação” de rua foi cobrada pelo Ministério Público do Estado do Ceará tanto ao Governo do Estado quanto à Prefeitura de Fortaleza. Na capital paulista, por meio de ofício, o Ministério Público Estadual pediu que a prefeitura apresentasse informações detalhadas sobre “o plano de contingência elaborado para conter a disseminação do novo coronavírus entre as famílias que vivem em favelas do município”. Já o Ministério Público de Minas Gerais, mediante uma Ação Civil Pública contra o município de Divinópolis, determinou a elaboração de um “Plano de Contingência Emergencial Intersetorial voltado aos cuidados da população em situação de rua”. Por sua vez, O Ministério Público Estadual recomendou que o município de Camaçari, além de comunicar as contratações emergenciais por dispensa de licitação para enfrentamento do coronavírus, “a elaboração de um plano de contingência como base para as ações emergenciais de combate à disseminação da Covid-19” (anexo 6).

III – DA NECESSIDADE DO FECHAMENTO TOTAL EM FEIRA DE SANTANA

13. Contudo, se a elaboração de um Plano de Gestão da Crise da COVID-19 é um passo incontornável para superação da situação de calamidade, avaliamos que a condução errática do enfrentamento à pandemia infelizmente exige associar o planejamento ao uso imediato e momentâneo de medidas restritivas mais intensas. Observando o quadro atual em Feira de Santana e partindo da premissa de que é urgente ampliar o isolamento social, reivindicamos a necessária elaboração e edição de um decreto de FECHAMENTO TOTAL na cidade de Feira de Santana, conhecido como “LOCKDOWN”. O lockdown significa uma restrição severa na circulação de pessoas, com possibilidade de fechamento de vias e o funcionamento apenas de serviços essenciais.

14. Para fundamentar esse pedido, nos valemos de estudos científicos (anexo 7), recomendações da Defensoria Pública (anexo 8) e do Comitê Científico do Nordeste (anexo 9), artigos de jornais e sites (anexo 10).

15. Os professores Miguel Nicolelis e Sérgio Rezende, que compõem o Comitê Científico do Nordeste, em entrevista coletiva virtual explicaram os detalhes do boletim sobre a evolução do coronavírus nos nove estados que compõem a região, e apresentaram estudo no qual sustentam a necessidade do lockdown em alguns deles, dentre os quais está a Bahia. Aqui, indica-se a adoção da medida nas cidades Salvador, Feira de Santana, Itabuna e Teixeira de Freitas.

16. Pode-se concluir em nossas análises que os decretos governamentais de manutenção ou flexibilização de quarentena tiveram impacto cerca de 7 dias após serem tomadas. Algumas medidas para diminuir a flexibilização foram tomadas no final da semana passada, portanto, devemos esperar seus impactos nestes dias. Dessa forma, será de grande importância a análise das nossas variáveis nos próximos dias, pois mantidas as taxas atuais sugerimos o lockdown com a garantia de um auxílio emergencial que garanta aos trabalhadores e trabalhadoras informais as condições de se manter isolados (anexo 11).

17. Na Recomendação, a Defensoria Pública pleiteia a decretação do lockdown para endurecimento das medidas aplicadas para conter o Covid-19 com fechamento de todo o comércio em Feira de Santana, salvo atividades essenciais; tornar obrigatória a permanência das  pessoas em suas respectivas residências, através de medidas coercitivas que sejam amplamente divulgadas na imprensa, além de realizar frequentemente a fiscalização e aplicação de multa àqueles que saírem de casa sem a devida comprovação da necessidade; manutenção do fechamento das escolas, faculdades, universidades e demais instituições de ensino, particulares e da rede pública, assim como de museus, cinemas, teatros e demais atividades culturais e de lazer (anexo 12).

18. Seguindo a lógica de defesa do lockdown como medida necessária de ampliação do isolamento social, também foi noticiado por meio da imprensa, em matéria de 13/05/2020, a opinião do infectologista Matheus Todt (anexo 13):

19. Em Feira de Santana, é preciso que o governo do estado e o governo municipal continuem a seguir os estudos científicos e analisem a possibilidade concreta de aplicação do chamado lockdown, apontado pela Defensoria Pública da Bahia e pelo Consórcio do Nordeste, para evitar a superlotação dos equipamentos públicos e salvar o maior número de vidas.

20. Por força das circunstâncias, de modo coordenado com o governo estadual, o governo municipal aderiu ao chamado “Toque de Recolher” – como expresso no Decreto Estadual 19.829. Em específico, o período de restrições previsto no decreto é pequeno: determina restrição de locomoção noturna, vedados a qualquer indivíduo a permanência e o trânsito em vias, equipamentos, locais e praças públicas, das 18h às 05h, a partir da 00:00 do dia 13 de julho de 2020 até às 24:00 do dia 19 de julho de 2020. Entretanto, apesar da pertinência, avaliamos que as medidas restritivas indicadas têm alcance limitado diante da magnitude e complexidade do problema colocado pela extensão da transmissão comunitária em âmbito feirense atualmente. Mais que isso, a injustificada descontinuidade do Toque de Recolher e a recente reabertura comercial só ratificam a já aludida condução errática do enfrentamento da pandemia do novo coronavírus.

21. Em sintonia com a argumentação aqui exposta, no mês de abril o PSOL Feira divulgou, através de suas mídias sociais, uma série de medidas emergenciais de enfrentamento à pandemia de COVID-19, dentre as quais destacam-se: acesso a teste por parte de maior parcela possível da população e metas diárias de testagem; disponibilização integral e monitoramento do estoque de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs); garantia de local para profissionais de saúde com COVID-19 possam fazer quarentena sem risco às suas famílias; a convocação imediata de profissionais de saúde já aprovados em concurso público municipal para reforço do quadro efetivo em todas as unidades de saúde; divulgação de dados não só de casos e óbitos por COVID-19, mas de internação e mortes por síndromes respiratórias; transparência de dados de leitos disponíveis tanto na rede pública quanto na privada; aumentar e descentralizar a descontaminação regular de locais públicos de ampla circulação e concentração de pessoas; a manutenção do conjunto da frota de ônibus em circulação para evitar aglomerações que transformem os veículos em vetores de contágio; a garantia que as famílias com crianças matriculadas na rede municipal e creches conveniadas tenham acesso à merenda escolar ou o equivalente financeiro; distribuição de cestas básicas para todas as pessoas consideradas em situação de vulnerabillidade já cadastradas nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS); ampla publicização e estabelecimento de busca ativa para acolhimento da população em situação de rua, dentre outras medidas (anexo 14).

22. É importante salientar que o documento que sistematizou tais proposições – intitulado “COVID-19 e a realidade feirense: onde avançar” – já indicava, no final de maio do corrente ano, a necessária “continuidade das medidas restritivas de circulação social, inclusive com bloqueio total se não houver níveis satisfatórios no monitoramento da taxa de isolamento social e redução significativa da velocidade de contágio (p. 4)”.

23. Portanto, diante do atual agravamento do quadro da pandemia no município expresso nos mórbidos números diários de novos casos e óbitos, é coerente o pleito aqui expresso. Por todo o exposto, compreendemos que as recomendações arroladas acima são suficientes para dirimir qualquer dúvida acerca da necessidade do lockdown e, portanto, devem ser levadas em consideração por todas as autoridades públicas. Convém ressaltar, também, que essa medida já vem sendo adotada em outros estados do país.

IV – DA ELABORAÇÃO E EXECUÇÃO DO  LOCKDOWN

24. A elaboração e execução do Lockdown precisa considerar:

25. A) A participação popular na sua elaboração, coordenação e fiscalização dos seus impactos na sociedade, considerando especialmente que a implantação do lockdown não deve estar focada apenas em medidas repressivas, mas num amplo processo de orientação e instrução da população em relação às medidas sanitárias necessárias;

26. B) A elaboração de um programa de medidas socioeconomicas por parte do governo do estado em conjunto com a prefeitura de Feira de Santana, que contemple os trabalhadores essenciais, como trabalhadoras/es da saúde, limpeza, transporte, mercadinhos etc., e a população de forma geral, na medida em que a ampliação do isolamento social requer as condições mínimas para que as pessoas possam ficar em casa com garantia de alimentação, água, energia, etc.

27. C) Como parte do programa para viabilizar efetivamente maiores níveis de isolamento social, a criação de um auxílio financeiro emergencial de caráter municipal que se fundamente no número de pessoas cadastradas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) em Feira de Santana e no número de pessoas em situação de vulnerabilidade, mas que não tiveram acesso ao Auxílio Emergencial Federal. A presente proposição, em específico, leva em consideração as características tradicionais do município – marcado por expressiva informalidade no mercado de trabalho – e tem em vista aqueles setores sociais mais diretamente atingidos pela crise na realidade local (artistas e produtores culturais, autônomos prestadores de serviços, feirantes, camelôs, ambulantes etc). Diferentes municípios brasileiros, no contexto da atual pandemia, adotaram iniciativas semelhantes. Esse é o caso de municípios pequenos, como Triunfo (PE), ou de tamanho e funções regionais mais próximas à realidade feirense enquanto “cidade média”, como Vitória (ES).

V – DOS PEDIDOS

28. Ante o exposto, o PSOL vem perante Vossa Excelência, requerer que seja a presente representação recebida e processada em regime de urgência, por tratar-se de tema relacionado à COVID-19, com o intuito de que o Ministério Público do Estado da Bahia:

29. A) Adote medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis para obrigar o governo municipal de Feira e Santana a apresentar de forma célere um plano de gestão da crise gerada pela COVID-19, levando em conta: 1) definição de critérios transparentes para manutenção ou suspensão de atividades; 2) definição de um método público para avaliação regular do cumprimento de tais critérios; 3) classificação de atividades e áreas em função do diagnóstico do estágio da pandemia; e 4) um cronograma com a projeção das etapas para gradativa superação da crise.

30. B) Adote medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis para determinar que o estado da Bahia e a prefeitura de Feira de Santana efetuem o fechamento total (lockdown), respeitada a ampla participação popular no processo por meio de suas entidades e movimentos representativos, e a elaboração de um programa de medidas sociais e econômicas para os setores supracitados, como forma de garantir base material para o isolamento social.

31. C) Adote medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis para obrigar que os dados oficiais relativos às pessoas infectadas e aos óbitos pelo novo coronavírus na Bahia e em Feira de Santana sejam divulgados levando em consideração os indicadores de gênero e raça/cor das pessoas;

32. Na certeza de que os termos deste instrumento serão apreciados com a serenidade e eficácia que caracterizam o Parquet, colocam-se os autores e autoras inteiramente à disposição de Vossa Excelência.

Nestes Termos, Pedem Deferimento.

Feira de Santana, 20 de julho de 2020.