Em anúncio da pré-candidatura para vereador, Jhonatas Monteiro divulga carta sobre o sentido em ocupar a Câmara Municipal
Uma tarefa e suas razões – diálogo sobre a pré-candidatura a vereador
Por Jhonatas Monteiro
Qual o sentido de ocupar a Câmara Municipal? Esta “carta” é sobre isso, mais até que a simples apresentação de uma pré-candidatura a vereador. Como sempre disse, é importante que a reflexão sobre a tarefa seja maior que o nome. Não poderia ser de outra forma: em todas as ocasiões que fui candidato foi como parte de um projeto coletivo de transformação social. Em especial, cada momento eleitoral desses só foi possível pelo envolvimento de milhares de pessoas que não só votaram, mas ativamente somaram suas ideias, seus afetos, suas lutas e seu trabalho. Por isso mesmo, creio que é necessário ter este diálogo de modo público também. Aguardei ao máximo porque a situação difícil que o país atravessa, tanto pela pandemia quanto pela irresponsabilidade governamental, colocou outras prioridades: antes de tratar de eleições, enfrentar a crise.
Fui candidato, mas cotidianamente sou um homem negro, morador de uma periferia, pai, professor, historiador, dentre outras coisas. Como todas as pessoas, tenho uma vida que está “além” da política. Porém, existe algo que atravessa e dá sentido à minha existência: firmei um compromisso revolucionário. Dos grupos jovens católicos na adolescência à atuação mais pública hoje, são mais de vinte anos participando ininterruptamente de alguma forma coletiva de militância. Isso ajudou a aprender como Feira de Santana é marcada por uma diversidade de modos de resistência popular, de lutas sociais e de organização da chamada “sociedade civil”. Ainda assim, é como se a maioria absoluta dessas experiências fosse invisível: não conseguem furar a “bolha” da “pequena política” que domina o debate público municipal. É como se os anseios e as reivindicações de grande parte da população feirense sequer merecessem, de forma séria, qualquer discussão. Como é evidente até pelo noticiário, a atividade dos vereadores e vereadoras é prova maior desse problema. Mais que isso: sem o devido contraponto, não são poucos os que usam a tribuna e recursos públicos para espalhar preconceitos, discriminar e atacar direitos da maioria população em sua diversidade.
Por isso mesmo, nós do PSOL, compreensivelmente temos sido cobrados. Diversos setores sociais, organizados ou não, têm dialogado conosco sobre essa questão. Nas últimas eleições, como candidato a prefeito e a deputado estadual, tivemos a terceira maior votação no município e isso significa uma responsabilidade grande. Na prática, a posição responsável é colocar esses resultados a serviço do enfrentamento da situação. Sem dúvida, o que está posto é fazer tudo ao nosso alcance para que a Câmara Municipal seja marcada por outra representatividade a partir de 2021. Uma representação em sintonia com quem todo dia sente na pele a exploração, a opressão e a negação de direitos.
Por outro lado, uma pré-candidatura a vereador tem motivação também em uma disputa dos rumos de Feira que não é apenas imediata. Como é sabido por quem acompanha a vida pública local, o governo municipal é controlado há cerca de vinte anos pelo esquema do mesmo grupo político. O resultado está aí: o povo feirense convive com problemas velhos, como a falta d’água ou as filas humilhantes na saúde, mas também com aqueles que pioraram com o crescimento da cidade – Como o transtorno do transporte coletivo, o abandono das comunidades rurais ou baixo estímulo público à rica vida cultural do município. Essas e outras coisas refletem uma série de governos que misturaram descompromisso, conservadorismo, incompetência, corrupção e autoritarismo.
Essa avaliação levou à nossa primeira candidatura para a prefeitura em 2012, como forma de apresentar um novo horizonte político. Também continua a colocar a necessidade que o PSOL dispute, com candidatura própria, o governo municipal neste 2020. Contudo, é importante observar que esse cenário só se mantém porque a Câmara Municipal descumpre religiosamente as suas obrigações. Muito de errado, nesses vinte anos, só ocorreu porque teve aval dos vereadores e das vereadoras. Nesse tempo, quantas denúncias deixaram de ser investigadas? Quantos projetos realmente dialogaram com as necessidades sociais? Por que a fiscalização efetiva das políticas públicas não aconteceu? Não se trata da falta de uma “oposição” apenas: pouco valem opositores de conveniência, uma vez que sua voz é fraca porque praticam o mesmo que condenam no governo municipal ou, pior, até ontem faziam parte dele. Diante disso, é necessário recuperar o papel mínimo do legislativo: denunciar, fiscalizar, propor leis e, da nossa perspectiva, mobilizar a participação popular direta. Minha pré-candidatura a vereador busca contribuir com isso, como parte de uma estratégia para acabar com a “boa vida” daqueles que se consideram “donos da cidade” nos últimos anos.
Por fim, a situação nacional também foi decisiva para o anúncio da disposição em ocupar uma vaga na “Casa da Cidadania”. Vivemos um momento muito difícil: um governo federal de extrema-direita que é a representação do que pior existe na sociedade brasileira. Racismo, machismo, sexismo, elitismo, individualismo sempre estiveram em circulação, é bem verdade, mas agora encontraram uma expressão política explícita. Desses materiais prévios se alimenta o risco fascista hoje e, independente da concretização de outro golpe de Estado, os violentos efeitos disso já são sentidos no dia a dia. Tudo isso ocorre ainda em meio a uma profunda crise social, resultado do projeto de destruição nacional e de ataque à classe trabalhadora promovido pelo governo federal – E seus aliados locais. Nesse cenário, agravado pela pandemia, é fundamental reforçar e ocupar todas as “trincheiras” que possam ampliar a nossa capacidade de luta agora. Um eventual mandato de vereador pode ser, sem dúvida, uma ferramenta para esse enfrentamento urgente.
Como nas eleições anteriores, além de um convite ao diálogo sobre a pré-candidatura, este também é um chamado à participação. O processo eleitoral, bem como o sistema político em geral, não foi feito para pessoas que pretendem mudar o “estado de coisas”. Pelo contrário, é uma disputa muito desigual que temos pela frente. Não há nada “ganho”. O brutal assassinato da nossa companheira Marielle Franco mostra quão longe podem chegar aqueles que não querem transformações reais, mas também que nem isso impediu que novas sementes de luta brotassem. Ouvindo a inspiração dos mais de quinhentos anos de resistência popular no Brasil, nossa ancestralidade diz:
Ousando lutar, venceremos!