Manifestação pela educação se transforma em cenário de guerra em Feira de Santana

A Prefeitura de Feira de Santana foi palco de momentos de tensão e violência nos dias 31 de março e 1º de abril, quando uma manifestação de trabalhadoras e trabalhadores da educação, em greve, deu lugar a cenas de agressão a partir da intervenção desastrosa da Guarda Municipal, sob ordens do Prefeito Colbert Martins Filho (MDB).

Tudo começou na manhã de quinta-feira, dia 31 de março. Neste dia, após a assembleia que decretou a greve da categoria, trabalhadoras e trabalhadores da educação, além de estudantes e seus familiares, seguiram para a Câmara Municipal, onde solicitaram apoio das vereadoras e vereadores presentes para mediar uma tentativa de apresentação da pauta e negociação com o prefeito. A Câmara acatou a solicitação e formou uma comissão suprapartidária, composta por membros de todas as bancadas – incluindo a base governista – que junto com os manifestantes seguiu até a Prefeitura Municipal. Chegando lá, os manifestantes entraram no prédio, ocupando o saguão e o primeiro andar, e a comissão de vereadores iniciou o processo de intermediação, solicitando a presença de algum representante da administração municipal. Foi quando a Guarda Municipal, em evidente despreparo, tentou repelir os presentes utilizando spray de pimenta, o que resultou em confusão generalizada. Em seguida, as portas da Prefeitura foram trancadas pela Guarda, prendendo os manifestantes no local durante a tarde, incluindo, além de professoras, professores, estudantes e apoiadores, também membros da imprensa e o vereador Jhonatas Monteiro (PSOL) com parte de sua equipe de mandato.

Apenas no final da tarde a saída do prédio foi liberada, mas os manifestantes decidiram permanecer em ocupação, na tentativa de garantir a audiência com o prefeito, até então não sinalizada, e retiraram do local apenas as pessoas mais vulneráveis, como idosos e crianças. Já durante a noite, após a energia do prédio ter sido cortada e a polícia ter sido chamada ao local, a Guarda Municipal, sob ordens do prefeito, entrou no prédio e, em mais uma ação desastrosa, agrediu professoras, atirou cadeiras e usou extintores de incêndio e spray de pimenta contra as pessoas, protagonizando um cenário de guerra que foi transmitido ao vivo pelo perfil do vereador Jhonatas Monteiro no Instagram. Após o episódio, uma “trégua” foi negociada com o Secretário de Prevenção à Violência, Major Moacir Lima, que garantiu que a Guarda não entraria mais no prédio e que haveria uma reunião de negociação com o prefeito na manhã do dia seguinte, sexta-feira, 1º de abril.

O prefeito, no entanto, não compareceu na hora marcada, e descumprindo o acordo da noite anterior, novamente enviou a Guarda Municipal, com ordens de que esta fechasse a janela do primeiro andar, que vinha sendo usada como ponto de acesso para entrada de água, comida e medicamentos no prédio da Prefeitura. Essa ação, realizada com uso desmedido de força, gerou cenas de terror, com pessoas sendo agredidas com cassetetes, incluindo o próprio vereador Jhonatas. Um de seus assessores, Rafael Moreira, foi espancado pela guarda e levado algemado, sob alegação de ter agredido um dos agentes de segurança. Rafael, no entanto, não foi conduzido para a delegacia, como determina a lei. Ao invés disso, foi mantido isolado em um local não divulgado dentro da Prefeitura, incomunicável e sem acesso a advogados. A falta de notícias sobre o paradeiro e o estado de saúde de Rafael, que era o responsável pelas transmissões ao vivo de dentro da ocupação, gerou enorme comoção social no município e uma mobilização pela sua soltura.

Membros da Comissão de Direitos Humanos e de Prerrogativas da OAB/Feira de Santana foram até o local e também não tiveram permissão, por parte do Secretário de Prevenção à Violência, para entrar no prédio e verificar as condições de Rafael. Em entrevista à imprensa, representantes da Comissão afirmaram que a condução do jovem à delegacia estava sendo condicionada à desocupação do prédio, o que é ilegal. Ao final da tarde, a partir da divulgação de uma decisão liminar em favor do Município determinando a desocupação, Rafael foi conduzido ao complexo de delegacias do bairro Sobradinho e os manifestantes deixaram o local, ovacionados por um grande contingente de pessoas que, a esta altura, se aglomerava em frente à Prefeitura em apoio ao movimento. A repercussão do conflito foi grande não apenas em Feira de Santana, sendo matéria de destaque na imprensa regional e até em veículos de comunicação nacionais. Além disso, parlamentares de outros municípios, assim como representantes de diversos partidos e movimentos sociais, compareceram à frente da Prefeitura na sexta-feira (01), na tentativa de intermediar as negociações e interceder em favor da garantia dos direitos dos manifestantes. Nas ruas e nas redes sociais, ganharam força comentários espontâneos pelo “Fora Colbert”, em alusão a um possível impeachment do atual prefeito.

As cenas lamentáveis da última semana são o desfecho triste das tensões entre a categoria docente do município e a Prefeitura. Desde 2021 professoras e professores amargavam cortes de salário e irregularidades nos pagamentos, além da falta de adequação de muitas escolas às medidas sanitárias de controle da Covid-19. Com o início do ano letivo de 2022, a infraestrutura das escolas mostrava-se ainda pior, com falta de carteiras, quadros, merenda, pessoal de apoio e vigilância, além de déficit de professores, que seguiam enfrentando problemas salariais. Também há um impasse com a categoria em relação ao pagamento dos precatórios do Fundef e do reajuste de 33,23% do piso salarial do magistério. Em função disso, há cerca de duas semanas professoras e professores realizavam paralizações de advertência e tentavam negociar com a Secretária Municipal de Educação, Anaci Paim, mas as reuniões não apontaram nada de concreto, já que a Secretária não se comprometeu com nenhuma das pautas.

Mesmo com a desocupação, a greve continua, e uma nova assembleia foi realizada na manhã de segunda-feira (04), quando foram decididos os próximos passos do movimento. Ficou aprovado o registro de Boletins de Ocorrência contra a Prefeitura por parte das professoras e professores agredidos – o que ocorreu na própria segunda-feira – a convocação de novas manifestações e continuidade da pressão pela negociação da pauta. Nesse sentido, na quarta-feira (6) ocorreu uma reunião com a Secretária de Educação Anaci Paim, mas esta seguiu sem apresentar propostas concretas para a resolução de grande parte das reivindicações. Por isso um acampamento está sendo organizado em frente à Secretaria Municipal de Educação nesta quinta-feira (7), como forma de pressão pelo avanço na resolução da pauta de reivindicações da categoria.

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