Propostas populares para enfrentar a crise em Feira de Santana
Proteger a vida e construir uma saída popular: propostas e diretrizes do PSOL para enfrentar a pandemia em Feira de Santana
Acesse aqui os dados atualizados da pandemia em Feira de Santana
A crise relacionada à pandemia de COVID-19 exige mais responsabilidade do poder público municipal feirense, não só do ponto de vista das medidas imediatas quanto daquelas necessárias no médio e longo prazo.
Hoje, vivenciamos em Feira de Santana a crônica de um erro anunciado: a equivocada retomada das atividades do comércio, a partir do dia 21 de abril, foi seguida de uma disparada no número de casos. De 58 casos confirmados de pessoas infectadas, em pouco mais de um mês, chegamos a 496 – um crescimento de 855%! A primeira reabertura seguiu até 18 de maio. O erro tem como principal explicação o fato do prefeito Colbert Martins Filho ter cedido às pressões de parte do empresariado comercial à época. Com todos os sinais de que o cenário segue se agravando, o prefeito decretou nova reabertura no dia 15 de junho.
A situação atual é tão grave que, forçosamente, levou a que prefeito e governador Rui Costa reduzissem o nível de irresponsável disputa política para buscarem alguma coordenação de ações. Registre-se também, como regra no restante do Brasil, na realidade feirense parte considerável das pessoas não pode ficar em casa se protegendo porque o amparo do governo federal não chega e o governo municipal não estabelece nenhuma medida econômica própria para dar viabilidade ao isolamento social.
Até meados de abril a condução do enfrentamento ao novo coronavírus no município, embora marcada por evidente subnotificação, vinha cumprindo pelo menos o básico do ponto de vista de medidas sanitárias. Dessa forma, é verdade que o prefeito não adotou o negacionismo criminoso e desumano de Bolsonaro, mas Colbert tentou aproveitar a circunstância para tentar recuperar o desgaste de sua gestão. Com destaque para a autopromoção diária de Colbert nas redes sociais para noticiar, pessoalmente, obviedades e miudezas. Revelador disso é a denúncia, noticiada em sites locais em meados de maio, que das 140 despesas da Prefeitura no enfrentamento à COVID-19 nada menos que 122 foram em propaganda. O problema é que na ausência de um planejamento de conjunto para lidar com ações de saúde e, também, com as consequências econômicas e sociais da pandemia, o governo local se ateve principalmente à contagem diária de casos confirmados. Não por acaso, o governo e Câmara municipais não encaminharam nenhuma iniciativa consistente nessa direção. Como é evidente, apenas atrasar o pagamento de alguns impostos municipais – IPTU e ISS – e distribuir de forma pontual cestas básicas são ações muito abaixo do desafio enfrentado pela sociedade feirense no momento. Mesmo as cestas básicas têm servido ao habitual esquema de troca de favores e compromisso de votos. Registre-se que esse paliativo municipal não atendeu nem 10% das pessoas que deveriam receber essas cestas por estarem inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico).
Mesmo do ponto de vista de medidas de saúde em sentido mais restrito, até a presente data não há política clara de testagem ampla da população, o que contribui para a subnotificação, e nem transparência em relação a dados importantes para uma avaliação pública da situação (Disponibilidade do conjunto de leitos disponíveis na rede pública e privada, estoque de equipamento de proteção individual e número de internações e óbitos por síndromes respiratórias no período, por exemplo). Além, é claro, do atraso na entrega do Hospital de Campanha e seu precário funcionamento.
Por sua vez, no sistema “público” de transporte pouco importa a saúde e a vida da população: após a reabertura irresponsável do comércio e mesmo com decreto que proíbe passageiros em pé, a frota continua reduzida e os ônibus seguem lotados. Como é óbvio, o sistema de transporte seguiu sendo um grande foco potencial de disseminação do coronavírus. A lógica perversa também é evidente: arriscando as vidas dos rodoviários e quem precisa do transporte coletivo, manter os lucros das empresas.
Como em outros lugares onde o setor privado “tirou o corpo fora”, é o Sistema Único de Saúde (SUS) que enfrenta o resultado dessa sucessão erros das autoridades. O problema é que SUS, há anos, tem sido atacado por seguidos governos. O resultado disso é um verdadeiro “desmonte” do serviço público de saúde para que as empresas privadas de saúde e indústrias farmacêuticas lucrem cada vez mais. Na prática, em uma situação de emergência generalizada como atravessamos agora, isso significa que profissionais de saúde têm suas vidas arriscadas por não receberem os equipamentos de proteção adequados e trabalharem muitas horas em péssimas condições. A situação de sobrecarga, já que os hospitais e unidades de atendimento são poucos e os funcionários e profissionais de saúde menos ainda, é ainda mais perigosa em um contexto em que inexistem testes suficientes para acompanhar o crescimento de casos.
Feira não é uma ilha nesse cenário e também tende a ser duramente afetada e, não por acaso, no final do mês passado dos 85 casos da COVID-19 no município, 26 são profissionais de saúde e no dia 16 de Junho já eram 141 casos, dos 1.542 infectados confirmados, o número corresponde a quase 10% dos profissionais de saúde infectados. A fragilidade da rede municipal de saúde é visível na absurda quantidade de empregos precários na área. Mais que isso, para continuar negociando empregos temporários por apoio eleitoral, o governo municipal trava uma batalha judicial para não convocar profissionais de saúde aprovados no concurso público de 2012. Do ponto de vista de quem usa o SUS, o que piora ainda mais a situação é o uso da saúde pública para fins “privados”: serviços que são pagos com impostos e que são direitos – como atendimento médico, consultas, exames e medicamentos disponíveis em unidades de saúde – são utilizados por vereadores, governo municipal e seus cabos eleitorais como moeda de troca. A população é forçada a escolher entre recorrer a alguém “de dentro” ou, literalmente em algumas situações, morrer esperando na fila. Infelizmente, nem com a pandemia tem sido diferente.
Tão grave quanto as falhas na área de saúde é o fato que o governo municipal não apresentou qualquer proposição para lidar com as consequências econômicas e sociais mais duradouras, se limitando a auxílio pontual como distribuição de cestas básicas ou limitadas ao aspecto fiscal no caso da prorrogação de prazos para pagamento de impostos.
A situação social do país já era desastrosa antes da pandemia da COVID-19: cerca de 13 milhões de desempregados, 5 milhões de desalentados, 26 milhões de pessoas na subocupação e 38 milhões na informalidade. Para além das estatísticas, isso já era perceptível pelo aumento evidente da miséria nas ruas de qualquer centro urbano do país dos últimos anos. Com o governo Bolsonaro, esse quadro só piorou devido a sua agenda explicitamente antipopular: o fanatismo econômico em favor do mercado financeiro e dos mais ricos em geral, conduzido pelo ministro Paulo Guedes, tem se concentrado na privatização do patrimônio público, redução dos investimentos sociais e ataque a direitos da classe trabalhadora. Esse desmonte da mínima proteção social existente no país é percebido em várias áreas, mas o caso do Bolsa Família é ilustrativo – cortes sucessivos nos recursos desse programa levaram a uma fila de cerca de 1,5 milhão de famílias a espera do benefício em 2019. Associado a isso, antes da pandemia, o crescimento econômico já era pífio: 1,1% em 2019. Agora, com a desastrosa condução do governo federal, as projeções indicam uma redução do Produto Interno Bruto (PIB) de cerca de 7% a 5%.
Tanto o governo municipal quanto os vereadores nada apresentaram em termos de planejamento para essa situação. Pelo contrário, o que vimos foi o abandono de artistas e de todo setor cultural, o corte arbitrário na remuneração do professorado municipal e a tentativa de aproveitar o momento para impor uma reorganização do Centro da cidade que exclui os feirantes, camelôs e ambulantes. Enquanto isso, vereadores e prefeito não abrem mão de um centavo do indecente aumento de seus próprios pagamentos aprovado para o ano que vem.
Infelizmente, tal postura não deveria ser razão de espanto. Afinal, são vinte anos do mesmo grupo político no controle do governo municipal. Tal situação, há anos, tem demonstrado todos os vícios de uma má administração – como visto no escândalo milionário dos contratos fraudulentos com falsas cooperativas de saúde envolvendo a eterna secretária de saúde, Denise Mascarenhas, e o ex-prefeito José Ronaldo. Para prejuízo da maioria da população feirense em sua diversidade, tal controle político também se manifesta o esgotamento de qualquer criatividade de gestão e planejamento – vide a lógica manjada de outras do governo municipal, como BRT e “Shopping Popular”: nenhum benefício para a maioria da população, roubo do ganha pão de milhares de trabalhadores e rios dinheiro para empresários inescrupulosos. Por sua vez, ao invés de cumprir seu papel legislativo e de fiscalização, na Câmara Municipal nem parece que vivemos uma pandemia: predomina a “pequena política”, quando não são besteiras e novas formas de dificultar a vida dos feirenses – Como as frequentes tentativas de ataques aos direitos da população LGBTQI+ são tristes exemplos.
PROPOSTAS E DIRETRIZES
Diante de tudo isso, o PSOL de Feira de Santana reitera o que vem afirmando com seus posicionamentos públicos e militância no período recente. Defendemos que as medidas de saúde não se reduzam à contagem de casos. Há ampla necessidade de começar ou aperfeiçoar medidas como testagem total e regular de profissionais de saúde; definição de política clara de acesso a teste por parte de maior parcela possível da população e metas diárias de testagem; disponibilização integral e monitoramento do estoque de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs); garantia de local para profissionais de saúde com COVID-19 possam fazer quarentena sem risco às suas famílias; a convocação imediata de profissionais de saúde já aprovados em concurso público municipal para reforço do quadro efetivo em todas as unidades de saúde; divulgação de dados não só de casos e óbitos por COVID-19, mas de internação e mortes por síndromes respiratórias; transparência de dados de leitos disponíveis tanto na rede pública quanto na privada; aumentar e descentralizar descontaminação regular de locais públicos de ampla circulação e concentração de pessoas; a manutenção do conjunto da frota de ônibus em circulação para evitar aglomeração que transformem os veículos em vetores de contágio; e retomada das medidas restritivas de circulação social, inclusive com bloqueio total se não houver níveis satisfatórios no monitoramento da taxa de isolamento social e redução significativa da velocidade de contágio.
Considerando a realidade imediata, observaremos se tem havido a garantia que as famílias com crianças matriculadas na rede municipal e creches conveniadas tenham acesso à merenda escolar ou o equivalente financeiro; distribuição de cestas básicas para todas as pessoas consideradas em situação de vulnerabillidade já cadastradas nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS); ampla publicização e estabelecimento de busca ativa para acolhimento da população em situação de rua; e criação de auxílio emergencial de caráter municipal com base em projeto de lei, que se fundamente no número de pessoas cadastradas no CadÚnico em Feira. Esta última medida, em específico, desenhada para atender aqueles setores sociais mais diretamente atingidos pela crise na realidade local (artistas e produtores culturais, autônomos prestadores de serviços, feirantes, camelôs, ambulantes etc).
Porém, o horizonte é de crise duradoura com o aumento do desemprego e agravamento da pobreza. Assim, é inconcebível que o município não tenha qualquer iniciativa econômica própria. Dessa maneira, como proposições básicas e dentro da alçada do poder público municipal, o PSOL Feira de Santana defende quatro eixos de ação:
(1) A garantia do que comer – um programa de segurança alimentar, baseado na aquisição da produção das comunidades rurais feirenses, que garanta de forma regular acesso à alimentação para os setores mais vulneráveis socialmente;
(2) A garantia da geração de renda – um programa de estímulo à formação de cooperativas e outras iniciativas econômicas coletivas, bem como acesso a crédito, para a geração de renda nos bairros populares e comunidades rurais;
(3) A garantia do espaço para trabalhar – uma reestruturação completa do projeto de “Requalificação do Centro Comercial” tendo como diretriz o comércio de rua como patrimônio cultural municipal e a sua manutenção ordenada nas vias centrais do município; e
(4) A garantia do direito a se movimentar – tendo em vista que o cenário vindouro traz ainda mais dificuldades para que as pessoas circulem pelo município e acessem serviços fundamentais à vida e dinamização da economia local, defendemos a reorganização total do sistema de transporte coletivo com base na instituição de Tarifa Zero – já há alguns anos, análises produzidas no âmbito da UEFS demonstraram a total viabilidade financeira de sua adoção a partir dos recursos originados do vale transporte.
Desde o surgimento da pandemia do novo coronavírus e sua chegada no Brasil, vários aspectos das nossas vidas têm sido alterados para conter a disseminação do vírus. Apesar disso, um aspecto fundamental não se alterou: a maioria da população trabalha para sobreviver enquanto uma minoria lucra com o nosso trabalho – e, como ficou evidente, ao custo de nossas vidas. As recentes reuniões públicas entre representantes do empresariado comercial deixaram claro: exigiram um “plano de ação” para reabertura do comércio, sem expressar qualquer preocupação com outras medidas socioeconômicas e com argumentos rasos, mas um deles chega a afirmar que o comércio sequer deveria ter fechado.
Apesar de vivermos tempos excepcionais, o que acontece aqui é o de sempre. O povo tentando sobreviver, sendo forçado a trabalhar e se arriscando ao adoecimento, enquanto os empresários, endinheirados e seus representantes na Câmara e na Prefeitura continuam brincando com as nossas vidas. Isso precisa mudar! Para isso, é fundamental uma leitura da realidade que oriente o entendimento do que se passa. Isso é a base para nosso diálogo, agora e nos próximos meses, junto às nossas famílias, vizinhança, colegas de trabalho e estudo, bem como em todos os espaços de atuação social. Esse é o sentido, sem dúvida, desta análise e diretrizes produzidas pelo PSOL. Ousando lutar, venceremos!
Feira de Santana
Documento de 29 de maio
Atualizado em 21 de junho
Direção Municipal do PSOL